domingo, 27 de setembro de 2009

A exigência na educação como condição de possibilidade da mobilidade social


É a Escola exigente que inclui e que promove a ascensão social. Largadas numa Escola "fácil", com docentes desautorizados e sem sombra de prestígio social, às crianças que não têm mais nenhuma alternativa, nunca lhes serão facultados os meios para irem suprindo as insuficiências de que padecem logo à partida. As suas desvantagens de começo manter-se-ão, porque as crianças mais favorecidas (em muito menor número) poderão sempre ir colmatando as falhas da Escola pública por outros meios e noutras fontes. São precisamente as crianças que mais necessitam da Escola, aquelas que são, praticamente, lá deixadas à sua sorte.
Nos últimos quatro anos, acentuou-se brutalmente a tendência da Escola se ir transformando num depósito indiferenciado de crianças (e de adolescentes), que se querem mantidas no seu interior, em muitos, em demasiados casos, vegetando na irrelevância social donde a Escola não as consegue libertar.
À força de se querer fazer da Escola aquilo que ela não é nem pode ser, a Escola acaba por não ser nada: nem o que devia, nem o que, erradamente, lhe exigem que seja.

[Também aqui.]

A visão "socrática" da Escola


Há qualquer coisa de tremendamente errado quando um primeiro-ministro se orgulha de deixar uma Escola com, citando-o, 'menos professores, mais alunos e maior sucesso'. (Como aqui e aqui.) Só alguém que não pensa nada sobre a Escola e não sabe do que fala pode dizer uma coisa daquelas. Aquela resplandecente trindade nunca pode ser o fito de uma política escolar. Para além de ser apenas um estribilho vazio que nada diz (como Sócrates gosta), é uma pretensa descrição que passa completamente ao largo do que deve ser a Escola. Aquele entusiasmo despropositado do primeiro-ministro corresponde ao sonho de um burocrata louco.

É arrepiante pensar que alguém que parece não ter uma única ideia sobre a Escola 'se tenha empenhado pessoalmente' nas medidas do ministério da Educação e que algumas destas 'lhe sejam muito caras', como disse a ministra ao Diário de Notícias do dia 26 de Julho. [Afirmações publicadas apenas na edição em papel.] Este acompanhamento tão próximo ajuda a explicar tanto disparate e tanta crispação inútil que foram perpetrados na Escola ao longo destes quatro anos.

'Menos professores'. É verdade que a Escola não existe para empregar professores ou candidatos a tal. Ela existe para os alunos - não alunos inertes e passivos como Sócrates/Lurdes Rodrigues os concebem, mas alunos com autonomia responsabilizante na sua própria emancipação. (E, para isso, a Escola deveria ser um meio fundamental - este governo, precisamente, degradou essa "função" da Escola.) No entanto, por si só, "ter menos (ou "ter mais") professores" nunca pode ser um objectivo. Primeiro, há que pensar que papel deve ser o do professor na Escola (e, pressuposto a isso, saber-se o que se pretende que a Escola seja). Só depois se determina, de acordo com as necessidades já estabelecidas, se há docentes "a mais" ou "a menos". (E mesmo esta formulação resulta ridícula.) Dizer-se que há professores "a mais" ou "a menos" é o mesmo que não dizer nada. É que não é um dado natural haver "a mais" ou "a menos" - essa apreciação quantitativa depende da fixação das necessidades de recursos humanos do sistema e elas são fixadas politicamente. Há sempre uma opção política prévia a essas considerações. Estamos perante posições políticas e não dados "técnicos" incontornáveis.

135 000 docentes é, à primeira vista, um número impressionante. Mas, se pensarmos que estão divididos por doze anos de escolaridade, por dezenas de disciplinas e por um milhão e quinhentos mil alunos (número daqui), isto é, se não olharmos para '135 000' em abstracto, como o primeiro-ministro faz, as coisas não parecem já tão simples. São "muitos" ou são "poucos"?

Teoricamente, podemos sempre conceber ("socraticamente") um sistema escolar público ainda com menos docentes (porque não 100 000, 80 000?), ainda com mais alunos e ainda com mais sucesso. Por exemplo, reduzindo drasticamente o número de disciplinas (aplicando a falácia das "competências horizontais", com um mesmo docente leccionando disciplinas diversas consideradas afins pelos "pensadores" de serviço) ou determinando o aumento do número mínimo de alunos por turma. Para o patriótico desiderato do "sucesso", bastaria reforçar toda uma bateria de processos burocráticos e mecanismos avaliativos que induzem, que encorajam artificialmente o "sucesso" nas classificações. É possível? Claro que sim. Uma autêntica "utopia prometida" que poria Sócrates/Lurdes Rodrigues/Valter Lemos com os olhos em alvo. Mas... estaria salvaguardada a qualidade dessa Escola?... E ainda seria verdadeiramente uma Escola?... Muita gente se parece ter esquecido (o governo e também os seus aliados objectivos à direita, incapazes de verem objectos à distância) que a preocupação fundamental, aquilo que nunca se deve perder de vista numa política de ensino da república é a qualidade da Escola - isso, que não exclui de todo a boa gestão dos recursos (que são escassos), tem de estar assegurado.

A tendência nociva já vem de trás, mas graças a estes quatro anos de governação Sócrates (uma governação que não pensa nem ), a Escola portuguesa tornou-se inóspita para aqueles que poderiam ser bons alunos. Esta Escola "socrática" não os deixa. Sufoca-os desde os primeiros anos e vai fazendo-os vegetar na mediocridade ao longo do percurso. Todos os sinais são dados para que os rapazes e as raparigas, desde o início, não vejam o esforço como meritório. E não têm outra Escola que os reconheça. Gradualmente, ir-se-ão submetendo à rasoira. No fim, lá estará o "sucesso" "socrático" garantido.

[Também aqui.]

domingo, 13 de setembro de 2009

You 're coming along!...

(1983, em Munique)



School

I can see you in the morning when you go to school
Don't forget your books, you know you've got to learn the golden rule,
Teacher tells you stop your play and get on with your work
And be like Johnnie - too-good, well don't you know he never shirks
- he's coming along!

After school is over you're playing in the park
Don't be out too late, don't let it get too dark
They tell you not to hang around and learn what life's about
And grow up just like them - won't you let it work it out
- and you're full of doubt

Don't do this and don't do that
What are they trying to do?
- make a good boy of you
Do they know where it's at?
Don't criticise, they're old and wise
Do as they tell you to
Don't want the devil to
Come and put out your eyes

Maybe I'm mistaken expecting you to fight
Or maybe I'm just crazy, I don't know wrong from right
But while I am still living, I've just got this to say
It's always up to you if you want to be that
Want to see that
Want to see that way
- you're coming along!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Remar contra a maré

Remar contra a maré é cansativo por natureza. Remar contra a maré sozinho cansa ainda mais. E é inútil.

Pescador Desconocido no Chile

Fotografia de Juan Soriano, encontrada aqui.

Pais criticam política educativa do governo

O jornal i falou com 45 pais e quase todos consideram desastrosa a prestação do governo na área da educação.

Dois exemplos:

«"O estatuto do aluno é um desastre e uma ofensa aos alunos cumpridores. Valores e atitudes como o trabalho, o mérito, a assiduidade, o comportamento, a aprendizagem, o conhecimento, foram postos em causa e de repente considerados antiquados e conservadores", diz Manuel Marques, economista nas Caldas da Rainha, pai de um aluno matriculado no 8º ano. "O estatuto do aluno privilegia o facilitismo e desresponsabiliza os alunos", acrescenta Maria José Viseu, presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE).»

«"Coube à professora da minha filha avaliar os outros professores da escola. Ela faltou três tardes inteiras. Se todos os professores tivessem de ser avaliados nos moldes em que se pretendia, teria de faltar 40 horas. Não é assim que uma avaliação deve ser feita", critica Paula Henriques.»

Como já foi dito em post anterior, Maria de Lurdes Rodrigues foi a ministra da barbárie.

sábado, 5 de setembro de 2009

Mentir com os números: 9 alunos para 1 professor

A quantificação costuma significar rigor e precisão. Por isso é que a Matemática (com esse nome ou com outro: Cálculo, Estatística, etc.) faz parte do plano de estudos da generalidade dos cursos universitários, mesmo na área das Ciências Sociais.

Claro que isso não impede que se digam grandes mentiras com os números. Alguns políticos fizeram disso uma verdadeira arte, dando razão a Andrew Lang: "Ele usa a estatística como os bêbados usam os postes dos candeeiros: mais para apoio do que para iluminação". bebâdo e estatística

Um exemplo de como se pode mentir com os números é a célebre média nacional de 9 alunos para 1 professor, que os responsáveis do Ministério da Educação tanto gostam de repetir – para defender que não é preciso diminuir o número de alunos por turma. Infelizmente, esquecem sempre de referir que ao fazer essas contas incluíram os professores que não têm nenhum aluno (como os Presidentes do CE e os responsáveis pelas bibliotecas escolares) e os professores que só têm uma turma ou duas. Essa média não significa portanto que a maior parte das turmas não sejam demasiado grandes e não haja muitos professores com cento e tal de alunos.

Por exemplo: este ano terei 110 alunos e no ano passado tive 119. Mas comparado com o professor Luís Palma de Jesus sou um privilegiado. Este, no blogue Geografismos, conta que no ano lectivo de 2007/2008 teve 277 alunos. 277!

(Imagem e citação tiradas daqui.)

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A arte do eufemismo

Quando Sócrates, no comício (aquilo não foi de todo uma entrevista) que deu na RTP ontem à noite, admitiu que "talvez não tivesse havido suficiente delicadeza no tratamento com os professores" proferiu um enorme eufemismo.

Mas a ministra da Educação conseguiu ir mais longe na arte do eufemismo ao descrever o que se passou nos últimos quatro anos com a expressão “problemas de comunicação entre Governo e professores”.

E, segundo se pode ler aqui, claro que “não viu uma crítica ao seu trabalho nas declarações do primeiro-ministro”. Suponho que o facto de últimos tempos se sucederem as declarações de personalidades do PS com críticas à sua acção, lamentando inclusivamente que Sócrates não a tivesse afastado, não deve passar de um “problema de comunicação”.

Não há dúvida que a falta de franqueza da ministra ombreia com a sua falta de habilidade política.

A relatividade pedagógica do tempo

relatividade temporal na escola

Acabaram as férias. Seguem-se duas semanas de reuniões, planificações e projectos disto e daquilo. Depois virá o melhor da vida de professor (ok, exceptuando as férias): as aulas. Todavia, suspeito que a maioria dos novos alunos, que vão entrar sala dentro a partir do dia 14 de Setembro, também perfilha a opinião de que o tempo é relativo.

Cartoon de Randy Glasbergen, retirado do blogue Today’s Cartoon.